AS INDAGAÇÕES METAFÍSICAS
A
metafísica é a investigação filosófica em que o
pensamento
trabalha com a pergunta "O que é?". Este
"é"
possui dois sentidos.
1.
significa 'existe, de modo que a pergunta se refere à existência da realidade e
pode ser transcrita
como
"O que existe?",
2.
significa 'natureza própria de alguma coisa', de
modo
que a pergunta se refere à essência de uma realidade, podendo ser transcrita
como "Qual é a essência daquilo que existe?"
Os
temas principais da metafísica são, assim, existência e essência da realidade
em seus múltiplos aspectos. A metafísica investiga, portanto, os
fundamentos,
os
princípios, as causas e o ser intimo de todas as coisas,
indagando
por que existem e por que são o que são e
como
são.
A
história da metafísica pode ser dividida em três
grandes
períodos:
1.
período que vai de Platão e Aristóteles (séculos Va.C.
e
IV a.C.) até Hume (século XVII);
2.
período que vai de Kant (século XVIIl)l até Husserl
(séculos
XVIll a XX),
3.
metafísica ou ontologia contemporânea, a partir
dos
anos 1920.
CARACTERÍSTICAS DA
METAFÍSICA EM SEUS PERÍODOS
No primeiro período, a
metafisica possuia as seguintes características:
*investigava aquilo que é ou
existe, a realidade em si. Era um conhecimento racional aprioristico, isto é,
não se baseava nos dados obtidos pela capacidade
experiência sensível (nos
dados empiricos), mas nos puros conceitos formulados pelo pensamento ou pelo
entendimento;
*era um conhecimento
sistemático, isto é, cada conceito dependia de outros e se relaciona a com
outros, formando um sistema coerente de ideias ligadas entre si;
*exigia a distinção entre ser
e parecer ou entre realidade e aparência, seja porque, para alguns filósofos, a
aparência só pode ser compreendida e explicada pelo conhecimento da realidade
que subjaz a ela.
Esse primeiro período da
metafisica terminou quando
Hume (1711-1776) explicou que
os conceitos metafisicos
não correspondem a nenhuma
realidade existente em si
mesma e independente de nós.
Para ele, os conceitos metafisicos não passam de nomes gerais que, pelo hábito
mental ou psiquico, se formam ao associarmos em ideias
gerais as sensações, as
percepções e as impressões dos sentidos, quando são constantes, frequentes e
regulares.
O segundo período teve seu
centro na filosofia de Kant (1724-1804), que demonstrou a impossibilidade
dos conceitos tradicionais da
metafisica para alcançar
e conhecer a realidade em si
das coisas. Como vimos, Kant fez a distinção entre fenômeno
(o que podemos conhecer) e
nomeno (a coisa em si ou
a realidade em si, que não
podemos conhecer). Em vez de a metafísica ser o conhecimento do que é em si,
Kant propôs que ela fosse o conhecimento de nossa própria
capacidade de conhecer, ou
seja, o conhecimento das condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro
dos fenômenos, ou o que Kant denominava com a expressão crítica da razão pura
teórica.
A metafísica continuou
utilizando o vocabulário que já usava, mas o sentido das palavras mudou
totalmente. As palavras não se referem mais ao que existe em si
e por si, mas ao que existe
para nós e é organizado por
nossa razão. Ao propor a
fenomenologia, Husserl (1859-
-1938) trilhou um caminho próximo
ao de Kant, embora com muitas diferenças (que veremos mais tarde)
A metafísica contemporânea é
chamada de ontologia (palavra que, como vimos no Capítulo 13, significa
conhecimento do Ser) e
procura superar tanto a antiga metafísica como a concepção kantiana. Considera
o objeto da metafísica a relação entre mundo e ser humano. Seus principais
objetivos são:
*investigar os diferentes
modos como os entes ou os seres existem;
*investigar a essência ou o
sentido (a significação) e a estrutura desses entes ou seres;
*o investigar a relação
necessária entre a existência e a essência dos entes e o modo como aparecem
para nossa consciência, por
meio das várias formas em que a consciência se realiza (percepção,
imaginação, memória,
linguagem, intersubjetividade, reflexão, ação moral e política, prática
artística, técnicas);
*fornecer uma descrição das
estruturas do mundo e do nosso pensamento. Por isso, a ontologia contemporânea
é considerada descritiva, distinguindo-se da metafísica, que pretendia oferecer
uma explicação das causas que produzem a realidade.
*O REALISMO DA FILOSOFIA NASCENTE
* A filosofia sempre tem
tratado dos problemas do conhecimento verdadeiro, o sujeito do conhecimento só
se tornou ponto de partida para a atividade filosófica com o racionalismo
clássico ou moderno. “Pode nosso pensamento conhecer a realidade?” Mas antes disso,
a questão proposta pelos filósofos era “ O que é a realidade que nosso
pensamento conhece?” Partindo disso a filosofia iniciava sua investigação pelo
objeto do conhecimento, com a afirmação da existência da realidade a pergunta
era se poderia ser conhecida verdadeiramente ou pelo pensamento Dizemos assim
que a filosofia nasceu como um realismo, e deste surgiu a metafísica.
*DA COSMOLOGIA Á
METAFÍSICA
A filosofia nasceu da admiração e do espanto diante do mundo, disseram
Platão e Aristóteles. Da admiração surgiu a pergunta “Por que o mundo existe?”
e do espanto “Por que o mundo é como tal?” Desde o seu nascimento surgiram mais
perguntas como: “ O que existe?”, “Por que existe?” , “O que é isso que
existe?” , “ Como é isso que existe?”. Então essas perguntas levaram os
primeiros filósofos a buscar uma explicação racional para a origem do mundo.
*METAFÍSICA OU ONTOLOGIA?
A palavra
metafísica não foi empregada pelos filósofos gregos. Foi usada pela primeira
vez pelo bibliotecário Andrônico de Rodes,por volta do ano 50 a.C., quando
recolheu e classificou as obras de Aristóteles que haviam ficado dispersas e
perdidas durante muitos séculos. O bibliotecário empregou a expressão grega tà
meta tà physica ('para além da física') para indicar um conjunto de escritos
que, nas estantes da biblioteca, se localizavam após os tratados sobre a física
ou sobre a natureza.
Ora,os escritores que Andrônico de Rodes
colocou nas estantes na sequência dos tratados de Física já haviam recebido um
nome pelo próprio Aristóteles: são os escritos da Filosofia Primeira, que
estuda o "Ser enquanto Ser" Desse modo, o que Aristóteles chamou de
Filosofia Primeira passou a ser designado metafísica.
No século XVII, o filósofo alemão Jacobus
Thomasius considerou que a palavra correta para designar os estudos da
metafísica ou da Filosofia Primeira seria ontologia. Ontologia significa estudo
ou conhecimento do ser, dos entes ou das coisas tais como são em si mesmas,
real e verdadeiramente, correspondendo ao que Aristóteles considera o estudo do
Ser enquanto Ser.
A palavra grega ousia é o feminino do
participo presente do verbo ser grego(einai). Ao traduzir as obras dos
filósofos gregos para o latim, os pensadores e escritores romanos procuraram um
correspondente para ousia e inventaram a palavra essentia, pois em latim o
verbo ser é esse(daí a origem de essência, em português).
A filosofia primeira é o estudo ou o
conhecimento da essência das coisas ou do ser real e verdadeiro das coisas,
daquilo que elas são em si mesmas, daquilo que elas são em si mesmas, apesar
das aparências que possam ter e das mudanças que possam sofrer.
Quando afirmou que Aristóteles definira a
Filosofia Primeira como o estudo do Ser enquanto Ser, Thomasius quis dizer que
ela não estudo está ou aquela coisa, este ou aquele entre, mas busca a essência
de um ente ou de uma coisa. Por isso,sendo o estudo da ousia e porque a ousia
oferece o ser real e verdadeiro de um ente, a Filosofia Primeira deveria ser
designada ontologia. Nesse caso a palavra metafísica seria apenas a indicação
do lugar ocupado nas estantes pelos livros aristotélicos de Filosofia Primeira.
Aristóteles também afirmou que a Filosofia
Primeira estuda os primeiros princípios e as causas primeiras de todos os seres
ou de todas as essências. Tal estudo deve ser o primeiro, isto é, deve vir
antes de todos os outros, porque é a condição de todos eles.
A palavra meta quer dizer exatamente isso:
'o que está além de' (no sentido de ser
superior ao que veio antes ou de ser a condição de alguma coisa). Se assim é,
então a palavra metafísica não indica um mero lugar numa estante de livros, mas
significa o estudo de alguma coisa que, vindo primeira ou antes, está acima e
além das coisas físicas ou naturais e que é a condição da existência e do
conhecimento delas.
Por isso, a tradução preservou o uso da
palavra metafísica. Metafísica, nesse caso, quer dizer 'aquilo que é condição e
fundamento de tudo o que existe e de tudo o que puder ser conhecido'.
*O SURGIMENTO DA ONTOLOGIA
Quando
estudamos as origens da lógica, vimos que Heráclito afirmava que a realidade é
a mudança continua das coisas em seus contrários e o mundo é um fluxo contínuo
de transformações. Segundo Heráclito, o conhecimento sensorial ou sensível nos
dá a ilusão de permanência das coisas, e somente o puro pensamento alcança a
realidade verdadeira que a mudança ou o devir.
Parmênides, porém, se contrapôs a Heráclito
e foi o primeiro filósofo a afirmar que o cosmo é um mundo ilusório, feito de
aparências, sobre quais formulamos nossas opiniões. Em lugar da realidade como
Physis (a natureza), tratou a realidade como tô an, o Ser,e contrapôs à
natureza mutável a ideia de um pensamento e de um discurso verdadeiros que se
referem àquilo que é realmente, ao Ser. Dizia Parmênides: só existe realmente e
só pode ver verdadeiramente pensando aquilo que não muda, que é sempre idêntico
a si mesmo.
Foi Parmênides o primeiro a dizer que a
aparência sensível das coisas da natureza não possui realidade, não existe real
e verdadeiramente, não é. Contrapôs, assim, o Ser ao Não-Ser, declarando:
" o Não-Ser não é". A filosofia é chamada por Parmênides de "a
Via da Verdade", que nega realidade e conhecimento à "Via de
Opiniões", pois esta se ocupa com as aparências, como o Não-Ser.
A cosmologia buscava explicar o devir, isto
é, a passagem de uma coisa a outro modo de existir, diferente ou contrário ao
que possuía.
Parmênides, por tanto, tornou a cosmologia
Impossível ao afirmar que o pensamento verdadeiro exige a identidade, a não
transformação e a não contradição do Ser. Se a de uma coisa em outra contrária
a ela é o Não-Ser, o Ser não muda, pois, se mudasse, deixaria de ser o Ser.
Como consequência, Parmênides mostrou que o pensamento verdadeiro não admite a
multiplicidade ou pluralidade de seres e que o Ser é uno e único.
Os argumentos da Escola Eleata eram
logicamente rigorosos:
• admitimos que o Ser não seja uno, mas
múltiplo. Nesse caso cada ser é ele mesmo e não é os outros seres.
• admitimos que o Ser não seja eterno, mas
teve um começo e terá um fim. Antes dele, o que havia? Outro Ser? Não, pois o
ser é uno. O Não-Ser? Não, pois o Não-Ser é o nada.
•
admitimos que o Ser não seja imutável, mas mutável. Em que o Ser mudaria? Em
outro Ser? Não, pois o Ser é uno. No Não-Ser? Não pois o Não-Ser é o nada.
Portanto, se o Ser mudasse, torna-se ia Não-Ser e desapareceria. O Ser é
imutável e o devir é uma ilusão de nossos sentidos.
Qual é o significado dessa argumentação? A
afirmação da diferença entre pensar e perceber. Percebemos a natureza na multiplicidade e na mutabilidade
das coisas que se transformam umas nas outras e se tornam o contrário do que
eram.
Multiplicidade, mudança, nascimento e
perecimento são aparências, ilusões dos sentidos. Ao abandoná-las, a filosofia
passou da cosmologia à ontologia.
*O MUNDO SENSÍVEL E O MUNDO INTELÍGIVEL
dedicou-se a resolver o impasse filosófico
criado pelo antagonismo entro o pensamento de Heráclito de Éfeso e o de
Parmênides de Eléia.
Platão
considerou que Heráclito tinha razão no que se refere ao mundo material e
sensível, mundo das imagens e das opiniões. A matéria, diz Platão, é por
essência, algo imperfeito que não consegue manter a identidade das coisas.
Assim do mundo material só nos chegam as aparências das coisas e sobre ele só
podemos ter opiniões contrárias e contraditórias.
A antologia
platônica introduz uma divisão (da qual o mito da caverna é uma alegoria).
Afirma a existência de 2 mundos diferentes e separados. O mundo sensível da
mudança e o mundo inteligível da identidade. O primeiro é o mundo das coisas. O
segundo é o mundo das idéias ou das essências.
A contradição
entre opiniões mostra que o mundo sensível é sujeito ao erro. Há uma diferença
entre a ontologia de Parmênides e a de Platão. Para o primeiro. o mundo
sensível das aparências é o Não-Ser em sentido forte, isto é, não existe, é o
nada. Para Platão, porém, o Não-Ser não é puro nada. O que ele é? Ele é o que é
diferente do Ser, o que é inferior ao Ser, o que nos engana e nos ilude, a
causa dos erros.
A SOLUÇÃO DE UM IMPASSE
- Em primeiro
lugar, seguindo Sócrates (C. 469 a.C -399 a.C) e os sofistas, Platão distinguie
três sentindo para a palavras ser:
•O sentido de substantivo, isto é, de
realidade existente ("o ser", "um ser");
•O sentido verbal forte, em que significa
"existe" e ser quer dizer "existência" ("o homem
é", "Deus é");
•O sentindo verbal mais fraco, em qual permite
ligar um sujeito e seu predicado ("o homem é mortal").
- Em segundo
lugar afirmou que, no sentido forte de ser (isto é, como substantivo e como
verbo existencial), existem múltiplos seres e não um só, porém cada um deles
possui os atributos do ser de Parmênides.
- Em terceiro
lugar, afirmou que, no sentindo mais fraco o verbo ser (isto é, como verbo de
ligação, cada idéia é um ser real que possui um conjunto de predicados ou
propriedades reais que fazem ser o que ela é. Uma idéia é (existe) e uma ideia
é uma essência ou conjunto de qualidades essenciais que fazem ser o que ela é
necessariamente.
Dessa maneira, cada idéia, em si mesma, é como
o ser de Parmênides: Una, identica a si mesma, eterna e imutável.
Existem múltiplas idéias (que são reais e
verdadeiras) e não apenas o ser único.
A tarefa da filosofias é dupla:
1• Conhecer
quais idéias existem ou quais idéias são;
2• Conhecer
quais são as qualidades ou propriedades essências de uma idéia, isto é, o que
uma idéia é, sua essência.
As ideias ou formas inteligíveis, diz Platão,
são seres perfeitos e, por isso, tornam-se modelos inteligíveis que as coisas
sensíveis materiais tentam imitar imperfeitamente .
*DIALÉTICAS PLATÔNICAS :DO SENSÍVEL
AO INTELIGÍVEL
Platão aborda essa questão por meio do dualismo. Segundo
ele, existem dois mundos:
– O mundo das formas ou ideias (inteligível): Platão
diz que a alma traz consigo desde o seu nascimento um conhecimento
prévio, a priori, que lhe permite a identificação do objeto – o
chamado conhecimento inato. Tais conhecimentos são as ideias ou formas, que residem
no mundo inteligível, fora do tempo e do espaço. Os objetos do mundo comum
organizam suas estruturas conforme essas ideias ou formas primordiais, mas não
são capazes de revelá-las em sua plenitude, sendo apenas imitações imperfeitas.
– O mundo concreto e sensível: trata-se de um mundo
acessível pelos sentidos ou material. É o mundo que conhecemos pelo olfato,
paladar, audição, visão e tato. A opinião (doxa), fundamentada nas
sensações, tem uma “falsa consciência” de si mesma, julgando-se correta. Esse
mundo, em Platão, é um engano, um falseamento.
Segundo Platão, atingir o conhecimento implica converter o sensível ao
inteligível – ou seja, despertar, reviver e relembrar esse conhecimento
esquecido. Dessa forma, a alma se liberta das aparências para se abrir ao
conhecimento das ideias verdadeiras.
Para isso,
Platão recorre à dialética, essencialmente dialógica. É por isso que escreveu
em forma de diálogo, gênero que consagrou – em seus livros não há a exposição
sistemática de uma filosofia, mas conversas entre Sócrates e seus amigos sobre
justiça, amor, virtude etc. Para Platão, o diálogo é a melhor maneira de buscar
a verdade e o único meio de chegarmos ao consenso, estabelecendo o que se diz e
por que se diz.
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